segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Ancestrais .....

"Oliveira Silveira,tipo raro dos pampas, referência que seguramente figurará entre as mais importantes para nós negros riograndenses,
mesmo sem evocar toda aquela querela do gaúcho macho bagual.
Não foi preciso isso.
Suas palavras mostraram a força que pode ter um negro apenas articulando pensamentos e nos deram a dimensão de quanto as nossas ações podem ser importantes pesquisando apenas uma data, dia 20. Além disso, todos que o conheceram sabem que seus gestos tinham ingredientes fartos daquilo que alicerça qualquer relação de respeito e confiança e que também muitos de nós temos a dificuldade em admitir que não a possuímos: humildade.
Por si só, as ações do poeta são ensinamentos valiosos que, para mim, transcederam a sua obra.
Durante nossos últimos encontros, isso ficou evidente.
Na Liga da Canela Preta, dos tempos modernos, em novembro último, topo com o mestre me solicitando uma conversa e, ao vê-lo, vem à baila o que minha mãe alertava: ele não está bem, precisamos fazer algo.
Em outro sentido, me recebe com seu sorriso peculiar, seu apertar de mão e sua ascenada com a cabeça em tom positivo talvez mais peculiares ainda e me fala: "olha, sei que estás atrasado para o jogo, e acho que não vou ficar até que acabe, gostaria de te dizer que separei uma lista com nomes africanos como sugestão para o gurizão que está chegando..."
Já com sérias dificuldades físicas de locomoção, o cabelo todo branco, alvíssimo, e sem o seu porte que, há poucos meses, erguia uma compostura saudável de um homem "experiente", Oliveira precisava daquele encontro amigo comigo, assim como com todas as outras pessoas com as quais julgava necessário fazê-lo antes de...
Sim, com certeza ele sabia que poderia perder a luta no próximo round, o adversário, forte, não estava recuando e, muito pelo contrário, o fez reagir a contragosto dos seus pensamentos militantes para diminuir seu passo e cumprir o papel da despedida.
Mais projetos e aspirações o poeta ainda guardava, o nosso próprio nazi-hino sulino ele ainda gostaria de ver atingido por sua lança, de lanceiro negro, e ver virar hino, de verdade.
Ocorre que sair da travessia na esmagadora maioria das vezes não é como entrar nela a despeito da única certeza que temos em vida. De um lado se tem nove meses para prover condições tanto a nós quanto ao descendente; de outro, pode-se não ter sequer um instante para o último olhar, olhar que embaraça e faz confundir os sentidos de quem fica(...)."

Horácio Lopes de Moraes


Luiz Orlando

"(...) E como me disse um cineasta preto de fato
Ainda falta às homenagens incompletas
Lembrar que Luís Orlando era Negro.
Que era Rasta.
E, como Negro, e como Rasta,
Viveu para seu povo.
E, como Negro, e como Rasta,
Quase deixam-no morrer num corredor de hospital público.
Mas lá estavam seres humanos da envergadura de Paulo James e Lu Cachoeira.
Que deram ao epílogo do nosso mestre um resquício de dignidade.
E, pasmem!, sorrimos ao vê-lo entrando numa UTI.
Deixei para chorar em casa.
Não tínhamos quase esperança,
Mas vimos nosso homem tomado banho, num leito limpo e cercado de cuidados.
No mais, a vida segue."


Nelson Maca

3 comentários:

  1. Ae preta...
    vibrações positivas, sempre!

    "Independentemente da maneira como escolhemos individualmente usar o cabelo, é evidente que o grau em que sofremos a opressão e a exploração racistas e sexistas afeta o grau em que nos sentimos capazes tanto de auto-amor quanto de afirmar uma presença autônoma que seja aceitável e agradável para nós mesmas. As preferências individuais (estejam ou não enraizadas na autonegação) não podem escamotear a realidade em que nossa obsessão coletiva com alisar o cabelo negro reflete psicologicamente como opressão e impacto da colonização racista."

    - Bell Hooks

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  2. Quênia,
    vi e vi seu blog!

    Vi-me aqui também. Não, apenas, pela citação de meu texto sobre nosso inesquecível Luís Orlando, mas também por me sentir meio um pouco você nessas loucas encruzilhadas que a nossa vida nos reservou.

    Força e vida longa ao seu blog!

    Com Amor,
    Nelson Maca - Blackitude.Ba

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  3. Muito amor e paz para Luiz Orlando, esteja ele onde estiver! Pessoa querida, doce e que deixou muitas saudades para aqueles que tiveram a dádiva de conhecê-lo.

    Não conheci Oliveira Silveira, mas não como deixar de reconhecer a sua grande contribuição a negritude brasileira com a criação do 20 de novembro. É outro brother que se foi e deixou saudades!

    Mas como diz Mano Brown, eles se foram, mas "O cheiro é rosas!"

    Paz, muita paz!

    Kibe.

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